Será que estas duas expressões são sinônimas?

Antes de usar o termo “poder familiar” a legislação brasileira trazia a expressão “pátrio poder”. Mas isso não significa que falamos exatamente da mesma coisa. Na verdade, o conceito evoluiu ao longo da história para acompanhar as transformações nas estruturas familiares na percepção sobre o papel dos pais (ou responsáveis) e das crianças na sociedade.
Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 21. Opátrio poder
poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009)
Vamos entender melhor?
O conceito surge na Roma Antiga, em que o pátrio poder (patria potestas) conferia ao pai de família (pater familias) autoridade absoluta sobre todos os membros de sua família. Esta autoridade incluía até mesmodireitos sobre a vida e a morte dos filhos.
Este poder era exclusivo do homem e refletia uma estrutura patriarcal rígida – daí o porquê do “pater” ou pátrio poder. Foi apenas com o passar dos séculos, especialmente a partir do século XX, que houve, enfim, uma gradual transformação desse conceito.
A autoridade, antes absoluta do pai, começou a ser substituída por uma responsabilidade compartilhada entre pai e mãe e até entre outros responsáveis por exercer esta função parental. Logicamente, não foi uma mudança rápida e simples como pode parecer, mas o fato é que ela aconteceu e continua a acontecer.
Foi justamente por isso que tornou-se necessário adequar a legislação para substituição do termo “pátrio poder” por “poder familiar”. A ideia de um poder compartilhado buscou enfatizar a corresponsabilidade parental e, também, colocar o bem-estar da criança no centro de tudo. Hoje, encontramos diversas organizações familiares em que não necessariamente o responsável é o pai ou a mãe. Avós, tios e mães sociais, por exemplo, são pessoas autorizadas a exercer o poder familiar e, com isso, tornarem-se responsáveis pelos pequenos.
Lei Nº 12.010, de 3 de Agosto de 2009.
“Art. 3o A expressão “pátrio poder” contida nos arts. 21, 23, 24, no parágrafo único do art. 36, no § 1º do art. 45, no art. 49, no inciso X do caput do art. 129, nas alíneas “b” e “d” do parágrafo único do art. 148, nos arts. 155, 157, 163, 166, 169, no inciso III do caput do art. 201 e no art. 249, todos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como na Seção II do Capítulo III do Título VI da Parte Especial do mesmo Diploma Legal, fica substituída pela expressão “poder familiar”.
O que diz a lei?
Trazendo um pouco da legislação brasileira, o atual Código Civil (2002) adota a expressão “poder familiar” em substituição ao “pátrio poder” previsto no anterior de 1916. Sem dúvidas, esse já é um reflexo da mencionada evolução para uma visão mais igualitária e centrada no interesse da criança.
Encontramos, no art. 1.634, que compete a ambos os pais, independentemente de sua situação conjugal (se juntos ou separados), o exercício do poder familiar. O mesmo artigo esclarece que poder familiar abrange direitos e deveres relacionados à criação, educação, guarda e convivência dos filhos. Nesse mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/1990, reforçou a ideia ao estabelecer, em seu art. 21, que o poder familiar será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, assegurando o direito da criança à convivência familiar e comunitária.
Grandes poderes, grandes responsabilidades
O exercício do poder familiar implica uma série de deveres por parte dos pais ou responsáveis, incluindo:
- 🍔Sustento: prover as necessidades materiais básicas dos filhos, como alimentação, vestuário e moradia.
- 🏠Guarda: assegurar a proteção física e moral dos filhos, zelando por sua segurança e bem-estar.
- 🎓Educação: garantir o acesso à educação formal e transmitir valores éticos e sociais.
- 👨👩👧👦Convivência familiar: promover e manter o vínculo afetivo e a convivência saudável entre os membros da família.
- ⚖Representação legal: representar os filhos menores nos atos da vida civil e administrar seus bens, quando necessário.
O exercício do poder familiar é absoluto?
Não. O exercício do poder familiar não é absoluto. O que é absoluto é o bem-estar (ou o “melhor interesse”) das crianças e dos adolescentes. Por esta razão, a legislação prevê hipóteses em que o poder pode ser suspenso, perdido e, também, extinto.
A suspensão, como o nome indica, é uma medida temporária. Ela impede o exercício do poder familiar em virtude de conduta inadequada dos pais, como abuso de autoridade ou negligência. Durante a suspensão, os pais perdem temporariamente a capacidade de exercer seus direitos e deveres em relação aos filhos.
Por outro lado, a perda do poder familiar, de caráter definitivo, é a medida mais severa que destitui permanentemente o poder dos pais ou responsáveis, geralmente em casos graves, como crimes cometidos contra os próprios filhos (agressões, abusos etc.) ou abandono.
Por fim, a extinção do poder familiar, diferente da suspensão ou da perda, ocorre de forma automática nas situações previstas em lei, como a emancipação ou a maioridade dos filhos, independentemente de negligência ou crime. Longe disso, ela é natural e representa a capacidade civil dos filhos crescidos.
E qual é o nosso papel?
Organizações da Sociedade Civil como nós desempenham um papel fundamental no acolhimento de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, isto é, nos casos de suspensão ou perda do poder familiar.
Nós recebemos, com muito amor e preparo, crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional; e além de acolher, quando possível, trabalhamos na reintegração familiar e na busca por famílias substitutas – tudo isso garantindo o direito à convivência familiar e comunitária previsto no ECA.
Então, diante de tudo que vimos, poder familiar e pátrio poder não são sinônimos! Um representa a evolução do outro, considerando todas as mudanças sociais e jurídicas criadas para assegurar os direitos das crianças e adolescentes e, igualmente, reconhecer a corresponsabilidade (e proteção integral) destes pequenos.