Levantamento inédito divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou que em 85% dos casos ocorridos entre 2019 e 2021, as vítimas são meninas de 10 a 14 anos
Num país com leis tão bem estabelecidas e detentor do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), referência internacional na jurisdição infantojuvenil, imagina-se que há um cenário de estado de direito em equilíbrio com o que garante a lei. Sabe-se que, de acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, a lei garante a inviolabilidade do direito à vida e impõe ao Estado, à sociedade e à família a tarefa de vigiar e cuidar das crianças e dos adolescentes, assegurando seus direitos fundamentais. Infelizmente, a realidade vivenciada por milhares de meninos e meninas tem imposto grandes desafios para a efetiva garantia desses direitos.
Um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2021 traz um panorama do quão distantes estamos de perspectivas favoráveis. Compilando dados de Boletins de Ocorrência (BOs) disponibilizados por 12 Unidades da Federação (Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo), a análise considerou 5 tipificações de crimes:
1) Maus-tratos (art. 136 do Código Penal e art. 232 do ECA);
2) Lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica (art. 129, §9º do Código Penal);
3) Exploração sexual (art. 218-B do Código Penal e artigo 244-A do ECA);
4) Estupro (inclui estupro de vulnerável);
5) Mortes violentas intencionais – MVI (homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de mortes e mortes decorrentes de intervenções policiais).
De 2019 até o primeiro semestre de 2021, foram notificadas 129.844 ocorrências contra crianças e adolescentes com faixa etária de 0 a 17 anos. Desse total de ocorrências, 56,6% são de estupro, 21,6% de maus-tratos, 18,1% de lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica, 2,9% de mortes violentas intencionais e 0,8% de exploração sexual.
O perfil das vítimas
– Com alarmantes 73.442 casos, o estupro é o crime que mais faz vítimas, sendo que 85% delas são meninas com idades entre 10 e 14 anos. Em termos de raça/cor, não existe uma desigualdade significativa, mas a maior parte das abusadas é negra (51,6%).
– Foram notificados 28.098 casos de maus-tratos. 90% das vítimas têm até 14 anos, sendo que 35% delas têm entre 5 e 9 anos. São 51% de vítimas do sexo masculino contra 49% do sexo feminino. Até os 12 anos, os meninos são a maioria das vítimas. Depois dessa idade, predominam os casos de maus-tratos contra meninas. 59% das vítimas são brancas e 41% negras.
– Outros 23.494 casos notificados são de lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica. O grupo mais atingido por esses atos é o de meninas (77%) entre 15 e 17 anos (51,7%). As vítimas são predominantemente brancas (51,9%).
– O levantamento identificou ainda que foram notificados 3.717 casos de mortes violentas intencionais. Em 82% dos casos, as vítimas (homens, em sua maioria – 86%) têm entre 15 e 17 anos. Isso demonstra uma expressiva desigualdade de gênero na distribuição das vítimas. Os registros disponíveis evidenciam também uma significante disparidade racial: 78% das vítimas são negras.
– O crime de exploração sexual é o que possui menos registros, um total de 1.093 casos. As faixas etárias mais atingidas são de 10 a 14 (44%) e 15 a 17 anos (48%), sendo a maioria do sexo feminino (86%) e negras (56,3%).
Os crimes de estupro, lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica, maus-tratos e exploração sexual tiveram maior número de registros no primeiro semestre de 2019. No primeiro semestre de 2020, todos esses crimes apresentaram queda significativa no número de registros. No entanto, no primeiro semestre de 2021, os números voltaram a aumentar.
O maior número de registros de mortes violentas intencionais ocorreu no primeiro semestre de 2020. Houve um aumento no número de mortes entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2020, seguido de uma queda no primeiro semestre de 2021. Como as mortes violentas intencionais são crimes menos sensíveis à subnotificação, devemos ter em mente que, possivelmente, os anos de pandemia não foram períodos menos violentos. Foi uma época em que os registros criminais estiveram mais suscetíveis à subnotificação.
Em 2022, os números continuam subindo
Fonte/ Divulgação: Pixabay
Somente em 2022 já foram registradas 4.486 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo um balanço realizado pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
Aprenda a identificar sinais de abuso sexual em crianças e adolescentes
Alguns casos têm rodado os noticiários nacionais nos últimos dias e causado indignação, principalmente nas redes sociais. Você deve ter ouvido falar, por exemplo, sobre a menina de 11 anos vítima de estupro que foi impedida de fazer um aborto legal pela juíza Joana Ribeiro Zimmer, da Justiça Estadual de Santa Catarina (posteriormente, a decisão foi revertida). A magistrada teria induzido à criança a seguir com a gestação, é o que revelou uma reportagem publicada pelo The Intercept Brasil e pelo Portal Catarinas (entenda o caso).
A autora da decisão que negou o direito à vítima deixou o caso após ser promovida, em decisão anterior ao ocorrido e tornada de seu conhecimento posteriormente. Ao menos 7 conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já solicitaram à corregedoria que investigue a conduta da juíza. Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) afirmou que também fará uma investigação da condução do caso.
Em Jacareí, interior de São Paulo, mais um crime bárbaro abalou a opinião pública. O auxiliar de pedreiro Sidnei Martins foi preso no último dia 10 de junho após confessar que matou a filha de 13 anos, Geovana, e a enterrou nos fundos da casa onde ambos moravam. Em depoimento à polícia, o criminoso disse que estava sob efeitos de drogas no momento do ocorrido.
A importância da Fundação Iniciativa no contexto de abuso sexual contra crianças e adolescentes
Aqui na Iniciativa temos como missão acolher e proteger institucionalmente as crianças e os adolescentes que foram afastadas do convívio familiar em decorrência de negligência ou de diferentes tipos de violência e abusos. Nosso objetivo é lhes proporcionar alternativas para o reencontro da infância e um desenvolvimento integral saudável para que tenham uma vida feliz.
Conheça a história da Fundação Iniciativa
Ao menor sinal de alerta, procure ajuda e deuncie!
– Você pode ligar para o Disque 100, a central de atendimento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), a qualquer momento, inclusive aos finais de semana e feriados.
– A ONDH dispõe de site, aplicativo (Direitos Humanos Brasil), WhatsApp (61-99656-5008) e Telegram (digitar na busca “Direitoshumanosbrasilbot”), canais que oferecem os mesmos serviços de escuta qualificada.
– No caso de crianças e adolescentes, a denúncia também pode ser realizada por meio do Aplicativo Sabe – Conhecer, Aprender e Proteger.
– Quando a vítima é criança ou adolescente, a denúncia é encaminhada ao Conselho Tutelar e, nos casos em que a violação configura um crime, à Delegacia Especializada (ou à Delegacia Comum) e ao Ministério Público.
Por: Willams Freitas