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Cidadania cultural: o que é? como lutamos por ela?
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Qual a relação entre cultura e cidadania? quando criança e adolescente entram no jogo, como a fundação luta por esses direitos?

Cidadania Cultural na prática: acolhidos da fundação iniciativa visitam o MUsA (Museu de Arte) da Universidade Federal do Paraná, com uma exposição contemporânea indígena, em Julho de 2022. O acesso à cultura é direito garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. / Foto: Fundação Iniciativa
Cidadania Cultural na prática: acolhidos da fundação iniciativa visitam o MUsA (Museu de Arte) da Universidade Federal do Paraná, com uma exposição contemporânea indígena, em Julho de 2022. O acesso à cultura é direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. / Foto: Fundação Iniciativa

A filósofa Marilena Chauí foi uma das responsáveis por popularizar o termo Cidadania Cultural, principalmente pelo livro “Cidadania cultural: o direito à cultura”. Se exercer a cidadania é ter capacidade de dispor de seus direitos, então ter acesso a cultura também é um direito. Este direito é garantido pela constituição, bem como por outras leis abaixo dela.

O termo Cidadania Cultural causa interesse por unir política e cultura. Em outras palavras, até que ponto o governo tem o dever de promover e apoiar as manifestações culturais? Mas em se tratando de crianças e adolescentes, todos nós, incluindo a Fundação Iniciativa, somos responsáveis por lutar pelo direito à construção de uma cidadania que inclua as manifestações culturais. Como fazemos isso? Bom, primeiro vamos dar uma olhadinha nas leis que tratam do tema.

Constituição Federal

É o artigo 215, da carta constitucional, o carro chefe da cidadania cultural. Logo de início, ele já prevê que  “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais(Caput).

Nossa lei maior estabelece ainda que é dever de União, Estados, Municípios e Distrito Federal, garantir  “meios de acesso à cultura […]” (Art.23, V). As leis sobre a cultura são concorrentes, a fim de que a União crie regras gerais, e os Estados e DF cuidem dos detalhes.

Mas os municípios não ficam de fora, e têm uma importante obrigação: “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local” (Art.30, IX)

Mas o que a constituição considera como cultura? Para responder essa pergunta, vamos dar uma olhada no que diz o artigo 216:

“I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

(Constituição Federal, Artigo 216)

Por fim, é no artigo 227 que temos o gancho para que o ECA trabalhe o direito à cultura:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(Constituição Federal, Artigo 227)

Estatuto da Criança e do Adolescente

A cultura é um dos direitos que o artigo 4º do ECA“absoluta prioridade”. Por isso mesmo, são 12 as menções do Estatuto da Criança e do Adolescente ao termo “cultura”. Essas menções podem ser divididas em dois objetivos: promover a cidadania cultural e preservar os valores culturais em que a própria criança já está inserida.

Sobre a cidadania cultural, o artigo 59 traz: “os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude” (Caput). Esse “voltada”, em outras palavras, significa “respeitar sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, conforme explica o artigo 71.

E engana-se quem pensa que só o estado tem esse dever: até as emissoras de TV e rádio são colocadas na roda:

 “As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.”

(Estatuto da Criança e do Adolescente, Artigo 76)

Já não precisamos nem dizer que as entidades de acolhimento também devem lutar pela cidadania cultural, não é mesmo?

Aqui na iniciativa

Acompanhamento psicológico, social, pedagógico, psicopedagógico… com tantos deveres a cumprir, como arrumamos oportunidades para garantir cultura a nossos pequenos? Simples, utilizamos da cultura como o fio condutor que une todas essas áreas, como no projeto soprar conhecimento, por exemplo. Este projeto promove oficinas de arte, comunicação, educação musical, musicoterapia, dentre outras, para que se alcancem 4 princípios que são nosso norte: autonomia, iniciativa, responsabilidade e criticidade.

O acolhimento não pode ser encarado como uma fase de “hibernação”, mas como parte da história da criança, fase de pleno desenvolvimento. Por isso, as práticas da iniciativa buscam jogar fora sentimentos de dependência e insegurança, a fim de garantir bem-estar e um bom retorno ao núcleo familiar e à sociedade.

Cidadania Cultural no dia-a-dia: acolhidos da fundação iniciativa visitam o MUsA (Museu de Arte) da Universidade Federal do Paraná, com uma exposição contemporânea indígena, em Julho de 2022. Utilizamos a arte como fio condutor da abordagem multidisciplinar. / Foto: Fundação Iniciativa
Cidadania Cultural no dia-a-dia: acolhidos da fundação iniciativa visitam o MUsA (Museu de Arte) da Universidade Federal do Paraná, com uma exposição contemporânea indígena, em Julho de 2022. Utilizamos a arte como fio condutor da abordagem multidisciplinar. / Foto: Fundação Iniciativa

Conectando cidadania e cultura

Patrícia de Oliveira / Foto: Fundação Iniciativa

A Patrícia de Oliveira é psicopedagoga aqui na Iniciativa. Ela acrescenta o lúdico na análise sobre como nós trabalhamos a cidadania cultural. Seja em passeio a festas, cinema, parques ou teatro, a palavra chave é inserção. É para garantir a integridade física e emocional que tudo isso é proporcionado, levando sempre em conta o jeitinho de cada acolhido e “sempre objetivando a superação e amenização da situação de acolhimento, bem como trabalhar sua autonomia e protagonismo social”.

Cidadania, continua patrícia, tem tudo a ver com o ECA, já que se trata de cobrar direitos. Aqui estamos falando especificamente de cultura, então o que percebemos é que promover esse direito “faz com que a criança/adolescente desenvolva diferentes perspectivas sobre o mundo que a rodeia, tendo conhecimento de seus direitos e deveres como cidadão sendo agente de transformação ao retornar para família”.

Cultura, como a própria constituição reconhece, tem a ver com todas as formas de ser e agir humanas, e é daí que sai sua relação tão próxima com o conceito de cidadania. Para garantir que essa conexão se aprofunde, a Fundação promove debates, rodas de conversa e outros momentos de debate sobre a realidade social.

3 países do mundo e suas leis

Cidadania Cultural nos Estados Unidos da América

Cidadania Cultural nos EUA: Bandeira dos EUA
Bandeira dos Estados Unidos da América / Foto: Wikimedia Commons

É importante observar e comparar nossas leis com as leis de outros países, para que tenhamos base para cobrar nossos representantes eleitos. Dá pra falar, por exemplo, da constituição da chamada “maior democracia do mundo”. Nessa área, os Estados Unidos da América tem uma mancha em seu currículo, pois o país foi o único dos 196 membros da ONU a não assinar a Convenção sobre os Direitos da Criança . O Brasil, ao contrário, ratificou o acordo em 1990. A Constituição do país norte-americano não privilegia, em momento nenhum, a criança enquanto sujeito de direito.

Cidadania Cultural na França

A França era muito clara quanto à Cidadania Cultural da criança na constituição de 1946, que foi substituída por uma versão sem esse tópico em 1958. Porém, não só de constituição vive uma república: abaixo dela, as leis ajudam a regulamentar as relações entre as pessoas. É nesse sentido que a legislação na França, antes voltada apenas para uma tal “caridade” para com a criança abandonada, passa a olhar para a família como núcleo.

O país foi o primeiro a editar leis que garantem aos pequenos o direito à educação na Europa. Grande potência nas artes, a França é conhecida pelos estudiosos por ser também uma das primeiras a olhar para a cultura como política pública. Apesar disso e diferentemente do Brasil, não há no país algo em termos de lei que faça a união entre criança e cultura de forma mais efetiva.

Cidadania Cultural na França: Bandeira da França
Bandeira da França / Foto: Wikimedia Commons

Cidadania Cultural em Portugal

Cidadania Cultural em Portugal: Bandeira de Portugal
Bandeira de Portugal / Foto: Wikimedia Commons

O que chama a atenção na Constituição portuguesa é o uso do termo “desenvolvimento integral”. A carta constitucional de Portugal obriga tanto Estado quanto sociedade civil a proteger a infância, principalmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”.

Apesar de não falar em cultura ao tratar da criança, é na seção “Juventude” que o termo finalmente aparece: diz-se que os jovens terão “proteção especial” sobretudo “no ensino, na formação profissional e na cultura”.

É no artigo 73 da Constituição portuguesa onde encontramos o melhor exemplo, até aqui, do conceito de Cidadania Cultural:

“1. Todos têm direito à educação e à cultura.

[…]

3. O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as coletividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais.

(Constituição de Portugal)
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