Camada 1@0.5x_neg
Setembro Amarelo: os objetivos e aprendizados que precisamos
Compartilhar

Psicóloga fala sobre o mês de prevenção ao suicídio, batizado de setembro amarelo, e sobre como aproveitar ao máximo os aprendizados.

símbolo o setembro amarelo
Foto: Marcel Avila

Chegou mais um Setembro Amarelo envolto em contexto de pandemia, do ‘novo normal’. Para entender a importãncia desse mês, especialmente agora, conversei com Gabriela Santana Vicente. A paulistana tem 28 anos é psicóloga clínica (CRP 05/57851) e membra da ‘Rede que Escuta’, grupo de psicólogas e estudantes de psicologia vinculado à Universidade Federal Fluminense campus Rio das Ostras.

psicóloga gabriela santana vicente
Foto: Redes Sociais

Gabriela esclarece que o Setembro Amarelo segue a ideia brasileira de ‘colorir’ os meses do ano, ao mesmo tempo em que mira no dia internacional de prevenção do suicídio, 10 de Setembro. O mês, segundo ela, é importante para “ao menos um mês no ano, lançar luz num foco, para a importância do tema, não querendo dizer que a prevenção ao suicídio não seja um movimento diário. Apesar de escolhermos um mês para marcar isso nos espaços, a prevenção é um trabalho diário. Um dos caminhos do Setembro Amarelo é justamente dizer que um mês não dá conta de olhar pra isso, acender aquela luz. Eu acho que é um movimento importante, mas que não dá conta.”

O Conceito de ‘Prevenção do Suicídio’

A ideia de juntar as palavras prevenção e suicídio é ainda causadora de estranheza para alguns, talvez porque “no sentido de falar abertamente sobre prevenir suicídio, concordo que seja algo novo. Falar sobe prevenção ao suicídio é algo recente.” A paulistana lembra os tabus envolvendo o tema, como a proibição de se ter missa de sétimo dia, dentre outros.

” A gente vai adjetivando o suicídio, o comportamento suicida.” – a ideia de criar a imagem de alguém ora muito fraco, ora muito forte, é apontada como agravante aos estigmas dados ao comportamento suicida. A ideia, neste sentido, é falar do que é relevante e possível à prevenção. A prevenção não é nenhuma tentativa de premonição, não tem nada a ver com antecipar um ato.”

Prevenir o suicídio, esclarece, é um ato de reconhecer “que o sofrimento humano é válido e que existem espaços onde isso pode ser expressado.”

Escuta X Escuta Especializada

Gabriela acredita que a sociedade como um todo precisa ter compromisso de acolher. Ao mesmo tempo, adverte para a necessidade de reconhecermos nossos limites. A ponderação surge por conta de diversas pessoas se oferecendo, nas redes sociais, para conversar com quem enfrenta a ideação suicida. “Eu posso ou não posso ajudar essa pessoa?” , é a reflexão que propõe.

A responsabilidade, nesse sentido, é colocada tanto pro profisssional quanto pro cidadão:

“Por exemplo, eu não vou prescrever uma medicação pra alguém se ela me compartilha uma dor, uma queixa, e eu não sou da área nem tenho conhecimento técnico nenhum.”. Clareza é a palavra chave dada pela profissional.

Um dos bons exemplos de escuta especializada é o CVV – Centro de Valorização de Vida. Vale a pena conhecer 😉

Quem busca o suicídio quer o quê?

” Dar uma solução definitiva para um problema que é temporário. Eu gosto muito dessa frase. Aquele que está em sofrimento, quando o suicídio chega, chega numa tentativa de resolução.” A diversidade de pessoas que buscam esta solução é grande, tanto em gênero quanto em idade.

O suicídio é multifatorial, lembra. Isso significa que não há uma relação de causalidade direta quando analisa-se um caso de suicídio em particular. Existem casos de suicídas que não possuem registros do que ela chama de ‘eventos disparadores’ dos gatilhos psicológicos, por isso “nem todo mundo que se suicida tem um diagnóstico de adoecimento mental”, porém ela não deixa de ressaltar que há sim maior tendência nas pessoas com esse tipo de diagnóstico.

“A crise está em públicos diferentes, justamente porque o sofrimento é humano. Quais são os espaços que temos dados socialmente para falar daquilo que é humano?” . Olhar para a realidade ajuda a conscientizar sobre a humanidade do sofrimento, ressaltando que o suicídio não é a única, tampouco a melhor solução.

Até que ponto o suicídio é causado pelo contexto social e até que ponto se relaciona com um neurônio em funcionamento inadequado? Essa é a pergunta que a psicologia persegue desde o início, afirma. Mesmo assim, sobre a experiência clínica, a psicóloga consegue resumir a principal causa apontada pelos indivíduos em sofrimento:

“É a perda de um projeto existencial. Quando perdemos o sentido de estar vivo, de estar aqui nessa Terra. São pessoas que se percebem sem entender o que estão fazendo aqui, pra onde querem ir.”

O que buscar para esse Setembro Amarelo?

Gabriela aponta dois objetivos mais importantes: em primeiro lugar, fortalecer o compromisso de toda a sociedade com a causa, no sentido de criar espaços para que as pessoas possam se expressar. Complementarmente, aponta a necessidade de conscientização sobre a importância de ajuda profissional: “a ajuda psicológica ainda é a maneira mais potente de atender a essa demanda”.

” O sofrimento durante a pandemia claramente aumentou, mas crescimento de sofrimento de sofrimento pode não estar proporcionalmente vinculado ao aumento suicida. É importante pensar nisso porque fortalece a ideia de que o suicídio não é a única resposta possível para aquele que está em sofrimento.”

Nos minutos finais da entrevista, Gabriela propõe refletir sobre os aprendizados gerados pelo isolamento social.

Que sociedade queremos?

“Uma sociedade que resgata a capacidade de se envolver”, conclui, após alguns segundos de reflexão. O desenvolvimento econômico da sociedade é visto, nessa ótica, como desleixado para com o desenvolvimento humano, fator complementar.

“O que é uma sociedade desenvolvida senão uma sociedade que tem a capacidade de se envolver com as pessoas?”

O espírito de coletividade, de preocupar-se com o outro, é dado pela especialista como essencial para uma sociedade ‘anti-suicida’, embora confesse não se sentir muito confortável com o uso desse termo. Ela aponta clichês muito comuns ouvidos por pessoas com pensamentos suicídas como ‘já tomou remédio?’, ‘pratica algum esporte?’, ‘quer fazer a unha?’. Isso tudo acaba diminuindo a dor do outro, através de escolhas que não acolhem. Evitar ou dar soluções triviais que diminuem são as condutas mais comuns e mais danosas.

Apenas esteja junto

“Muitas vezes é o silêncio que a gente tem que oferecer. Claro, cada um oferece aquilo que lhe é possível.”

É preciso deixar claro à vítima, lembra: “você não está sozinho.”. No silêncio, oferecer presença é, muitas vezes, o que mais auxilia.

“Eu chamo de amorosidade mesmo, em relação ao outro que está compartilhando algo tão íntimo, algo tão delicado.”

O Brasil é reconhecido internacionalmente como muito acolhedor e empático. Diante disso, faço uma provocação à entrevistada: ou isso é mentira, ou somos acolhedores e empáticos da maneira errada. Ela responde:

” Temos muitos estereótipos, né? A gente acha que empatia tem a ver com ‘pô, tu tá mal? Vamo tomar uma cerveja, fazer um churrasco…’ ou ‘vamo passar o carnaval na Bahia que todas as dores vão passar’. Acho que ainda é preciso fortalecer uma habilidade diferente, uma empatia ainda mais sensível e calorosa, que às vezes é só a capacidade de ficar ali.”

As redes sociais acabam atrapalhando o fortalecimento dos vínculos, uma vez que, após breve momento de empatia, o indivíduo “rola o feed, e é vida que segue”. “Ficar mais tempo” na sensibilidade pode tornar-nos mais aptos a agir de forma preventiva.

Compartilhar